Vacinação de pessoas com doenças reumatológicas

INTRODUÇÃO

Os diversos novos medicamentos para tratar doenças reumatológicas, inflamatórias e cânceres, ao mesmo tempo em que permitem o prolongamento da vida em condições variáveis de imunossupressão, elevam as chances de infecções nos pacientes que os utilizam. Diante disso, as vacinas se mostram uma ferramenta de prevenção ainda mais fundamental, mas é necessário ressaltar dois aspectos. O primeiro diz respeito à eficácia, que pode ser diminuída a depender do grau de imunossupressão desencadeado pela doença de base ou pelo tratamento. O segundo é a maior possibilidade de eventos adversos às vacinas atenuadas. No caso das vacinas inativadas, não há risco aumentado. 


Mas, afinal, o que são vacinas atenuadas e inativadas? Todas as vacinas têm os chamados antígenos, substâncias que estimulam o sistema imune a produzir anticorpos de forma parecida com o que acontece quando somos expostos aos vírus e bactérias. No caso das vacinas atenuadas, estes antígenos são agentes infecciosos vivos extremamente enfraquecidos. No das vacinas inativadas, são agentes infecciosos mortos, ou partículas deles, que desencadeiam no organismo o processo de defesa, mesmo sem nenhum perigo real.

Embora as vacinas vivas atenuadas raramente causem eventos adversos em indivíduos com o sistema imunológico competente — quando ocorrem, os sintomas são brandos e de curta duração —, em imunodeprimidos e gestantes existe a possibilidade de desenvolvimento das doenças que elas deveriam prevenir. Por isso, essas vacinas não costumam ser recomendadas, mas a contraindicação não é generalizada. Em surtos, por exemplo, o risco de ser infectado pela forma selvagem de vírus e bactérias pode ser maior do que o da vacina. Por isso, a decisão sempre cabe ao médico, que irá analisar o quadro do paciente e outros fatores.

Fica claro, portanto, que indivíduos que usarão drogas imunossupressoras precisam idealmente ser vacinados antes do início da terapia, de forma que usufruam da melhor eficácia da imunização e possam receber também as vacinas vivas atenuadas com mais segurança. Caso já estejam em vigência de imunossupressão, seja pela doença ou pelo uso de drogas, as vacinas inativadas podem ser administradas, porém, como ressaltado, é importante atentar para a eficácia, que dependerá das condições do hospedeiro e do nível de imunossupressão.

VACINAS ATENUADAS DISPONÍVEIS HOJE NO BRASIL

• BCG
• dengue
• febre amarela
• herpes zóster
• poliomielite oral
• rotavírus
• tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela)
• tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola)
• varicela

VACINAS INATIVADAS DISPONÍVEIS HOJE NO BRASIL

• Dupla do tipo adulto (difteria e tétano)
• Haemophilus influenzae do tipo b
• Hepatite A e combinações
• Hepatite B e combinações
• Influenza
• Meningocócicas
• Pneumocócicas conjugadas e polissacarídicas
• Poliomielite inativada
• Raiva
• Tríplice bacteriana (difteria, tétano e pertussis) e suas combinações
HPV

DOENÇAS REUMÁTICAS E RISCO DE INFECÇÃO

As doenças autoimunes (DAI) atingem cerca de 5 a 7% da população mundial e constituem um grupo complexo e heterogêneo de manifestações. São a terceira principal causa de sofrimento e morte depois do câncer e das doenças cardíacas, afetando adultos jovens, principalmente mulheres. Há mais de 80 diferentes DAI descritas e, entre elas, as doenças reumáticas (DR) constituem a maior parte do grupo.

As infecções estão entre as principais complicações neste grupo de indivíduos, considerados de maior risco, e associam-se a uma conjunção de fatores inerentes à doença de base – que induz uma disfunção do sistema imunológico de graus que variam conforme a patologia – e ao tratamento, baseado no uso de medicamentos potencialmente imunossupressores.

Em vista da suscetibilidade aumentada e sabendo que a vacinação é a medida preventiva de maior impacto na diminuição da ocorrência, complicações e óbitos por doenças infecciosas, recomenda-se que o médico reumatologista avalie a situação vacinal de cada paciente e que prescreva as vacinas recomendadas, levando em consideração também as situações mais especiais, que exigem indicações fora da rotina, precaução ou contraindicação a determinadas vacinas.

A vacinação é, sem dúvida, medida imprescindível para reduzir riscos de infecções e, consequentemente, reduzir complicações nesses pacientes.

RESPOSTA IMUNOLÓGICA ÀS VACINAS

Os mecanismos que prejudicam a resposta imune em decorrência da doença de base não estão ainda precisamente esclarecidos. Em relação às disfunções de ordem reumatológica, sabe-se que ocorre uma desregulação do sistema imunológico e que a intensidade e tipo de alteração variam bastante para cada uma das doenças desse grupo. Estas alterações podem prejudicar o desenvolvimento da resposta protetora às vacinas, o que já foi evidenciado em vários estudos em que se observou menor formação de anticorpos e proteção clínica inferior a de indivíduos que gozam de plena saúde. Mesmo nestes casos a imunização é segura e não induz a nenhum agravamento ou ativação da doença de base.

INTERFERÊNCIA DO TRATAMENTO NA RESPOSTA IMUNOLÓGICA ÀS VACINAS

São diversas as drogas imunomoduladoras usadas no tratamento das doenças reumáticas. O grau de imunossupressão que provocam é variável conforme o local de atuação no sistema imune e o número de doses, e é proporcional à gravidade da doença a ser tratada.

Os corticoides estão entre as drogas dessa categoria mais frequentemente usadas. Pessoas em uso de prednisona mesmo que em dose considerada baixa (menor ou igual a 5 mg/dia), apresentam, via de regra, resposta imune menos efetiva a infecções. Essa resposta pode ser ainda menor quando há associação com outras drogas, como azatioprina, micofenolato de mofetila ou ciclofosfamida. O uso de ciclofosfamida está relacionado a um risco 43 vezes maior para o desenvolvimento de um quadro infeccioso. A manifestação do herpes zóster, por exemplo, é mais frequente em pacientes em uso de prednisona e ciclofosfamida.

“É imprescindível que as recomendações de vacinas sejam feitas pelo médico especialista”

Mais recentemente, os medicamentos biológicos, drogas derivadas de sequências genéticas de células vivas, vêm crescendo em indicação. Entre os mais comumente usados em reumatologia, e que atuam de formas diversas no sistema imunológico, estão: etanercepte, infliximabe, adalimumabe, certolizumabe e golimumabe, abatacepte, rituximabe e tocilizumabe, entre muitos outros biológicos recentemente disponibilizados. Estes também podem afetar, em graus variáveis, a capacidade de formação de anticorpos protetores induzidos pela vacinação.

SEGURANÇA DAS VACINAS EM PACIENTES REUMATOLÓGICOS

A segurança e a eficácia das vacinas inativadas em pacientes com doenças reumáticas têm sido muito discutida nos últimos anos, em vários estudos publicados, incluindo mais de 10.000 pacientes vacinados com a maioria das vacinas recomendadas nos calendários atuais. Todos os trabalhos demonstraram que as vacinas inativadas são seguras quanto ao risco de reativação ou piora da doença de base.

Entretanto, a indicação de vacinas com componentes vivos atenuados continua sendo um tema controverso. Em geral, estas vacinas são contraindicadas durante o tratamento com fármacos imunossupressores, incluindo doses elevadas de corticosteroides (maior que 20 mg/dia), medicações antimetabólicas (por exemplo, a ciclofosfamida) e também doses de MMCDs (medicamentos modificadores do curso da doença) sintéticos, como o metotrexato (quando utilizado em altas doses) e a ciclosporina. O tempo recomendado entre a descontinuidade destes medicamentos e a administração segura de vacinas vivas atenuadas varia bastante, já que não existem dados de estudos conclusivos.

Um exemplo evidente desta controvérsia pode ser visto nas recomendações da Sociedade de Reumatologia da Finlândia, que preconiza a interrupção de produtos biológicos, mas não de MMCDs quando da administração de vacinas atenuadas. Além disso, a segunda dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba, rubéola), bem como a vacina varicela (catapora), pode ser administrada sem período de suspensão das drogas.

Outra incongruência evidenciada na literatura refere-se à vacina varicela. A Liga Europeia Contra o Reumatismo (Eular), reconhecendo a elevada carga do vírus varicela- zóster (causador da varicela e que posteriormente pode ser reativado e causar o herpe-zóster) nestes pacientes, sugere que a vacinação seja considerada para prevenir a infecção em pacientes selecionados, levemente imunodeprimidos. Já outras sociedades e organizações de forte influência nas diretrizes da especialidade, como o American College of Rheumatology (ACR), o Comitê Consultivo em Práticas de Imunização (Acip) e a Canadian Rheumatology Association (CRA), recomendam a vacina herpes-zóster em pacientes com DR, contraindicando somente durante o tratamento com os biológicos e elevadas doses de corticoides.


Deve ser enfatizado que estas recomendações são baseadas na opinião de especialistas. Portanto, os desafios futuros incluem a harmonização das orientações existentes e sua implantação em protocolos regionais e nacionais de atendimento.

Portanto, é imprescindível que as recomendações de vacinas sejam feitas pelo médico especialista, assim como a permissão para o uso de cada uma conforme os riscos de infecções e situação imunológica de cada indivíduo.

MELHOR MOMENTO PARA VACINAÇÃO

Sobre o momento ideal para a vacinação, há consenso de que a administração de vacinas com antecedência de duas a quatro semanas do início da terapia imunossupressora obtém melhor resposta imune. Se, no entanto, a espera para começar o tratamento não é viável, uma regra é que as vacinas inativadas podem ser seguramente administradas aos pacientes tratados com imunomoduladores sintéticos ou biológicos, mas deve-se ficar atento se a proteção almejada foi alcançada.

“A vacinação é, sem dúvida, medida imprescindível para reduzir riscos de infecções e, consequentemente, reduzir complicações”

Preconiza-se, também, que todas as doses de vacinas recebidas enquanto se faz uso de terapia imunossupressora ou durante as duas semanas que antecedem a terapia não sejam consideradas válidas e que, portanto, a pessoa seja revacinada com todas as vacinas que ainda estão indicadas para sua faixa etária e condição clínica ao menos três meses após a descontinuação da terapia. Uma exceção importante é o tratamento com rituximabe (RTX). Alguns estudos sobre a eficácia e segurança de imunização em pacientes tratados com agentes de depleção de célula B, que é o caso do medicamento citado, detectaram resposta reduzida às vacinas influenza e pneumocócica.

Consenso rituximabe: As pessoas em uso de RTX devem ser vacinas quatro semanas antes da administração desta droga ou pelo menos seis meses após a suspensão da terapia.
Ação no sistema imunológico Intervalo

VACINAÇÃO DOS CONVIVENTES

A vacinação das pessoas que convivem com portadores de doenças crônicas reduz os riscos de infecção, principalmente no caso de imunodeprimidos, para os quais as vacinas vivas atenuadas estão geralmente contraindicadas ou têm a eficácia comprometida pela condição imunológica.


Pais, irmãos e outros familiares de convívio, cuidadores e profissionais da saúde, por exemplo, devem manter atualizado o calendário vacinal, incluindo as vacinas recomendadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) e outras não oferecidas na rotina. É importante informar que algumas vacinas não aplicadas rotineiramente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) são ofertadas gratuitamente para os portadores de doenças crônicas e também para os seus comunicantes domiciliares, nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIES). Para obtê-las, devem ir até alguma das unidades de posse do relatório médico justificando a solicitação da vacinação. Caso os critérios pré-estabelecidos pelos CRIES sejam atendidos, elas serão fornecidas.

Para saber mais sobre vacinas ou sanar dúvidas, recomendo o acesso ao portal familia.sbim.org.br, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 
É muito importante, também, a leitura do texto sobre vacinação contra febre amarela em pessoas portadoras de DR, documento discutido e assinado em por várias sociedades médicas, em vista da situação epidemiológica da doença no Brasil. Ele encontra-se disponível emhttps://sbim.org.br/informes-e-notas-tecnicas/sbim

Dra Mônica Levi – CRM: 66612
Presidente da Comissão Técnica para Revisão dos Calendários Vacinais e Consensos da SBIm

Texto escrito e revisado pela Dra Mônica Levi para o 1° Circuito online de conscientização das doenças reumáticas – #CONDRELUAR

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